segunda-feira, novembro 23, 2009

Uma história de idades


“Que idade me dás?”




Se há resposta que me irrita é aquela que tanta gente dá, quando lhes perguntamos a idade. Nem sequer é bem uma resposta, é antes uma contra-pergunta.
- Que idade tens?
E logo essa irritante contra-pergunta:
- Que idade me dás? (grrrrrrrrrrrrrr)
Irrita-me por três motivos: um de ordem pragmática, outro de ordem linguística e ainda outro de ordem existencial.
Em termos pragmáticos porque uma pergunta pressupõe uma resposta, a menos que seja uma pergunta retórica. A pergunta representa o início de um ciclo que será fechado pela resposta (até em termos melódicos). Se em vez de uma resposta surge uma contra-pergunta, o ciclo não se fecha, antes pelo contrário inicia-se outro ciclo.
Em termos linguísticos é uma dinâmica contra natura: o homem planta, a terra dá - não é o homem que dá; O homem tem sede, bebe água – não é a sede que bebe água. Esta falta de lógica na construção de um ciclo pergunta – resposta só pode ser banida se o emissor for como eu e finte o processo:
- Que idade tens?
- Que idade me dás?
- Que idade achas que eu penso que tu tens?
Hehehehehehehehehehehe…..

Finalmente, em termos linguísticos, sabemos que neste mundo consumista ninguém dá nada a ninguém. Como diz – e bem – o David Lodge, “There are no free lunchs”. Ninguém dá valores a ninguém, muito menos uma coisa tão abstracta como idade. Quando muito ficciona-se uma idade mais agradável, em troca da simpatia do interlocutor. Além disso, a pessoa já carrega nos ombros a sua idade, porque razão lhe hei-de dar mais ainda?
Para além disso, há ainda outra questão que me irrita tanto ou mais que a tal contra-pergunta: porque razão as pessoas de menos de vinte anos querem parecer ter mais idade e as pessoas de mais de trinta anos querem parecer ter menos? As pessoas terão perdido o juízo? Não se lembram que tudo tem o seu tempo, que não vale a pena querer acelerar ou retardar a passagem do tempo, de forma irresponsável ou patética?
E que parvoíce é essa de querer aos catorze anos fumar ou ter relações sexuais para parecer mais velho ou aos sessenta fazer plásticas dispendiosas e dolorosas para parecer mais novo? É uma atitude parva, que não disfarça nada e apenas fragiliza a imagem de quem entra nesse processo de aceleração ou retardamento.
Aos catorze anos precisa-se de saúde, de ar puro e não de empestar os pulmões em crescimento com o fumo dos cigarros.
Aos sessenta temos vivências do nosso caminhar, temos um património de experiências e memórias. Apagar as rugas é como anular esse património. Qualquer uma dessas atitudes é idiota. No fundo, resume-se a isso: uma atitude idiota.
Tenho duas propostas para combater a irritante contra-pergunta - Que idade me dás?:
- Que idade tens?
- Que idade me dás?
- Eu não dou, vendo! Se pagares bem, ponho-te no infantário; se fores sovina, ponho-te no lar de idosos.

Ou então:
-Que idade tens?
- Que idade me dás?
- Depende, se tiveres menos de vinte dou-te mais cinco; se tiveres mais de trinta, dou-te menos dez.

“O tempo pergunta ao tempo o tempo que o tempo tem. E o tempo responde ao tempo que o tempo tem o tempo que o tempo tem.”

Tenho a idade que tenho, a que figura no meu cartão de identidade. Carrego com orgulho o meu património de memórias. Dou-vos a idade que vocês têm e peço-vos que se orgulhem dela, não a escondam, nem a neguem.
A nossa idade é o conjunto de pegadas que deixamos para trás no caminho que já percorremos. A nossa vivência, as recordações, a experiência são o rasto que deixamos no trilho que Deus nos deu para percorrermos.


Margarida Neves
Praia de Mira, 22-11-2009

1 comentário:

OAmorDaFada disse...

Uma lógica racional e fria...com as palavras certas nos lugares certos como sempre. É verdade que temos de nos orgulhar do nosso rasto, mas para muitos,o melhor seria passar uma esponja nesse rasto...esses, os infelizes da vida, nem as plásticas os salvam da sombra do seu rasto...