terça-feira, março 15, 2011



A C V

Dedico esta meditação a três pessoas da minha vida: L., J., e F: os donos dos olhares.

Há olhares que se plantam fundo em nós.
Na minha história há três.
Um foi o olhar de preocupação tão insustentável, que ainda hoje me dói. Um olhar que me quis pegar ao colo e consolar. Num dia de desespero, em que chorei tudo o que me sufocava a uma mulher espantosa que não me deu à luz, mas que amei como mãe. (Amo os filhos dela como irmãos)
Ainda hoje recordo – sei que nunca vou esquecer – esse olhar, porque nunca antes senti tanto a frustração muda e gritada de alguém manietado.
Era azul, esse olhar. E plantou-se em mim na raiz da dor.

O outro olhar é do meu pai. Um olhar de divertimento.
É um desafio buscar as palavras para o descrever. A situação descreve-se fácil: um mal-entendido que redunda em comédia doméstica.
Mas o olhar… um brilho que nasce devagar naquele olhar castanho mesmo leal. Um suave trejeito no canto da boca, num florescer do sorriso.
Saímos da aldeia em dois carros e voltámos num apenas. Deixei o meu estacionado em frente aos Correios, na vila e esqueci-me completamente.
Só em casa, em conversa com o meu pai, esse olhar… a sufocar o riso…
- Olha lá, onde está o teu carro?....
-….ahhhhhhhhhhhhhhhh…..
E fomos lá buscá-lo. Foi só isso.
Mas foi o riso a nadar em castanho.
E o azul a lutar para não afundar na dor.
Hoje vejo, por vezes, quando ele se distrai, quando ele não esconde o olhar, o amor a navegar em verde.

Margarida Neves
Benavente, 15 de Março de 2011

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