quarta-feira, outubro 14, 2009

Uma história de paciências

















De Ampulhetas e Clepsidras



Ao meu querido André João, lembrando mais uma das nossas conversas.

Já vos ocorreu, por que razão, quando nos referimos à paciência, usamos verbos como ter, gastar, perder, esgotar? Fica-se com a sensação de que a paciência é uma substância, como a água de uma clepsidra, ou a areia de uma ampulheta. Sendo assim, será que a paciência, depois de esgotada, se renova? Será que é sempre a mesma e se renova assim, vindo do nada, como se fosse uma substância ciclicamente regenerada?
Efectivamente, se alguém tem paciência é porque possui algo palpável e se a perde, diminui a quantidade desse algo, e, no final, se ela se esgota, desaparece de todo.
O dicionário regista na sua entrada “Paciência”:



s. f.
virtude que consiste em suportar os males ou os incómodos sem queixume e com resignação; qualidade de paciente; perseverança;
interj. designativa de resignação;
Paciência de Job: grande resignação;
Paciência de Santo: grande paciência



Pela referência ao bíblico Job e ao Santo, podemos verificar que essa “água” ou “areia” têm um cariz divino, mas que são, de facto esgotáveis, já que se diz também que “é de esgotar a paciência a um santo”.
A minha pergunta imediata é se todos nós fomos divinamente agraciados com a mesma quantidade de paciência ou se uns, os impacientes, já nasceram com menos do que os outros, os pacientes.
Admitamos que a paciência é a substância presente numa clepsidra e consiste na água que escorre lentamente, ou então é a areia que existe dentro de uma ampulheta. No entanto, essa clepsidra ou essa ampulheta têm uma pequena comporta que nós próprios, donos dela, gerimos (consoante a nossa generosidade ou entrega) e que vai doseando a saída da água ou da areia.
Assim, a nossa paciência vai-se esgotando, vai inevitavelmente escorrendo conforme o grau de abertura da nossa comporta. Assim ela se esgota completamente quando o massacre abre de vez as comportas.
Mas a paciência, esse Litro de água, esse Quilo de areia, volta a existir na nossa clepsidra ou ampulheta, (na verdade ela esteve sempre lá, na parte de baixo, parada, na sua forma inactiva).
E quando volta a poder escorrer e gastar-se, é porque a nossa generosidade permitiu a reviravolta, a regeneração. Mudam-se ideias, vira-se a clepsidra ou a ampulheta ao contrário e inicia-se novo ciclo de esgotamento.
E a nossa cabeça é precisamente redonda, para que possamos mudar de ideias, alterar os pontos de vista, renovar a paciência, enfim, dar espaço à ampulheta para que ela se volte e fique, novamente, na sua parte activa, cheia de areia, ou seja, de paciência.

Margarida Neves
Benavente, 14 de Outubro de 2009

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