domingo, outubro 11, 2009

Uma história comercial


Franchising e Consignação

Há dias, ocorreu-me a seguinte ideia: de uma forma simplista, existem dois tipos de, digamos, relação hierárquica comercial entre marcas e lojas, sendo elas o Franchising e a Consignação.
Enquanto no Franchising a loja se compromete em absoluto e em exclusivo a vender apenas artigos da marca que representa, sendo que os artigos não vendidos não podem ser devolvidos à procedência, na Consignação é vendida a marca com a qual se tem um relativo e parcial compromisso, mas o que não é vendido retorna à fábrica da marca que, em parte, se representa. Ao contrário do Franchising, a Consignação não é uma relação de absoluta e exclusiva fidelidade.

Assim também as relações humanas.

O dicionário, a propósito de Consignação, diz-nos o seguinte:
Consignação: substantivo. feminino.
depósito de valores em cofre oficial para pagamento de despesas obrigatórias;
entrega de mercadorias que o produtor faz ao negociante para este as vender por conta
daquele;

Quando a minha avó Amândia e o meu avô José Balseiro se entregaram um ao outro em matrimónio em 1935, fizeram-no na modalidade de Franchising. Comprometeram-se em absoluto e exclusivo a serem apenas um do outro e a dedicarem a sua vida a um matrimónio que apenas a morte separaria.
A minha avó, órfã de mãe, desde a gripe espanhola de 1918, não poderia ser devolvida ao pai, se o meu avô não a quisesse mais. Na saúde e na doença tinham prometido um ao outro ficarem juntos. E tiveram muitos períodos de adversidade, mas ultrapassaram-nos juntos, dentro do espírito que eu penso ser o do verdadeiro matrimónio. Espírito esse que os nefastos e modernos ventos da mudança degradaram até se chegar a estas lamentáveis relações de Consignação.
Hoje em dia, qualquer desentendimento, qualquer ridícula incompatibilidade de personalidades é motivo de separação, de lares desfeitos, de crianças a crescer sem terem os pais juntos, sem terem a harmonia de uma verdadeira família. Não me venham dizer que crescem felizes, porque, como professora, sei ver as diferenças entre filhos de famílias e filhos sem pai ou mãe por perto para o beijo de boa noite. Vejo pelo equilíbrio emocional dos meus três sobrinhos o quanto eles (e eu) podem agradecer o equilíbrio da sólida relação que o meu irmão e a minha cunhada construíram.
Nestas relações tão modernas de Consignação, o matrimónio é apenas um compromisso relativo e parcial que dura enquanto durar, os casamentos duram enquanto durarem e as pessoas, alucinadas saltam de cama em cama, de casa em casa, de amor em amor, num frenesim degradante. Quando a Consignação termina, o parceiro que supostamente era para toda a vida é descartado e devolvido à providência e os filhos do moribundo amor de ambos são colocados na prateleira que esse fosso entre os pais cria. Sendo a Consignação uma relação de fidelidade, apenas relativa e parcial, será essa falta de fidelidade uma das maiores causas da ruptura do tal casamento que era para ser para sempre e foi apenas até que o juiz os separou.
Sabemos bem, neste mundo promíscuo, que é essa a triste realidade.

Termino estas minhas divagações com a letra de uma belíssima canção cantada por Adriana Calcanhoto que é bem exemplificativa de uma Consignação que chegou ao fim:

Devolva-Me

Rasgue as minhas cartas e
Não me procure mais
Assim será melhor, meu bem.
O retrato que eu te dei,
Se ainda o tens não sei,
Mas se tiver, devolva-me.

Deixe-me sózinho porque assim
Eu viverei em paz,
Quero que sejas bem feliz
Junto do seu novo rapaz.

Rasguei as minhas cartas e
Não me procure mais
Assim vai ser melhor, meu bem.
O retrato que eu te dei,
Se ainda o tens não sei,
Mas se tiver...
Devolva-me.
Devolva-me.
Devolva-me.

Conseguem sentir a tristeza deste fim? O desgosto de não ter havido solidez e persistência para permanecerem juntos?
Eu consigo…


Margarida Neves
Benavente, 2008/ 2009

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