sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Uma história de Calor






Sabedoria luminosa








Ele até achava bem que a vila estivesse electrificada. Era um sinal de progresso, bom para o desenvolvimento do concelho, pelo menos era
o que o candidato tinha gritado ao microfone.
Nos seus tempos de menino, não havia luz eléctrica e, no entanto, ele e outros tinham nascido, crescido e vivido.

Mas a sua sábia idade ditava-lhe aceitar o progresso como consequência nefasta do prometido desenvolvimento.
Era por isso que não se incomodava com a ELECTRA, aquela central barulhenta e irrequieta, sempre a soprar fumos quentes pelas narinas dos ventiladores. Ao princípio, não conseguia dormir com o barulho que lhe invadia os sonhos e o deixava confuso de dia e agitado e vigilante de noite. Aquele calor que lhe entrava pelas janelas também foi um problema, mas, dizia, com um encolher de ombros, um homem de Deus habitua-se a tudo.
Depois chegou o advento da ecologia e logo vozes se levantaram a apregoar os malefícios daquela central. Diziam palavras que ele não conhecia, mas que a sua intuição lhe explicava. Poluição sonora, surdez precoce, poluição atmosférica, problemas respiratórios.
Afinal, tudo isso não era novidade, ele mesmo já o tinha pensado, embora com palavras mais claras.
Nas eternas guerras políticas que sempre existiram, desde que há homens a querer mandar, logo os outros refutavam que o desenvolvimento, o progresso eram mais importantes, eram o futuro, aquela palavra já tão pequena para ele, mas tão grande que enchia a boca de todos.
Também esses tinham razão. Afinal, ter luz em casa era bom. Poder ver aquela coisa que chamavam televisão e que não lhe ensinava nada, ter a cerveja fresca naquele armário branco, frigorífico, era o nome disso.
Coçou a cabeça, num gesto sem idade, que precedia a chegada do sono. Foi à janela olhar o céu e lançou um olhar ao monstro barulhento e fumegante que lhe fazia tremer as paredes ia já para dois anos.
Deitou-se, soprou a vela e fechou os olhos, para ver se o sono chegava.



MN
Aeroporto Internacional Amílcar Cabral
Ilha do Sal, Julho de 2001



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