quarta-feira, dezembro 20, 2006

Uma história de absurdos

A título explicativo, devo dizer que estes textos que se seguem nasceram numa época em que surgiram os primeiros programas do Gato Fedorento na SIC Radical. Eu adaptei a minha história à linguagem deles e também fiz algumas referências a personagens criadas por eles. Passo a apresentar as ditas personagens...






A Girafa que não é da neve e o Abominável Homem das Neves


O Pescador de Atuns com 15 dias de faina e o Urso



A Revolta dos Maços foi inspirada numa noite memorável que passei com o meu grupo de amigos. A esse grupo chamei a “Brigada do Abominanço”, pois andar em grupo na noite, a dançar e rir, beber e conversar é o que nós chamamos “abominar”…
Desse grupo de amigos, faz parte a minha querida



Borboleta azul



É à minha Borboleta azul, que dedico esta história.



A revolta dos Maços

(ou a pistola para lavagem de carros

que foi tudo nessa noite)




A noite até nos estava a correr bem. A Brigada do Abominanço tinha-se encontrado, nos sítios e horas do costume. Os vários amigos, os grupos entrecruzados, as teias humanas e desumanas que as histórias de amor, de amizade, de raiva e de dor tecem na noite.
Os sítios habituais, sempre novos, porque em cada noite há novos episódios e dados para enriquecer a já fílmica realidade virtual em que o grupo, a Brigada do Abominanço, se move.
Naquela noite, por exemplo, o Kiko já subira de estatuto: era ainda o mítico abominável homem das neves, mas era também já o meu telemóvel, o chatinho grilo falante e pensante.
As girafas ainda viviam na neve, mas já se suspeitava que uma, a estatelante, se andava a insurgir, porque afinal nunca tinha lá vivido, era tudo mentira e ela estava que nem podia…
… pressentia-se no ar um clima de insurreição. A Brigada do Abominanço apenas a intuía e, como tal, não ligou. Continuávamos todos a saltar à corda, ao som da balalaica do capitão Gancho, como se nada fosse.
Nós nem imaginávamos o que aí vinha!... Eram três, vislumbravam-se as suas sombras disformes na névoa da noite. Os olhos de ver não os viam bem, mas os olhos do coração viram e ficaram assustados! Eram três e tinham, sem sombra de dúvida, sete etílicos olhos dispostos na vertical, algures entre o alto da testa e o meio do nariz. Nariz esse, aliás, que tinha mais uma narina do que é habitual, facto muito suspeito.
A Brigada do Abominanço nem queria acreditar! Mas pior, muito pior, estavam os narizes da Brigada… é que esses tais três cheiravam, ofensivamente, a sandes de atum!
A Brigada, após meses de intensa faina, sabia que não eram três meninos da cidade, mesmo com sete etílicos olhos dispostos na vertical, que vinham para ali ensinar o que era a pesca ao atum! A Brigada do Abominanço estava treinada para a faina. Tinha o equipamento completo, a começar pelo isco, passando pelo anzol e acabando nos atuneiros. Connosco ninguém se mete! Muito menos três meninos da cidade…
Tínhamos tudo controlado: os Ramirez, os Bacalhaus (a relinchar de ignorância), os Atuns, os Bons Petiscos. E os três com aquela conversa de quem pensa que nos engana, com aquela treta de que o tempo estava a mudar! Pois sim.
Continuámos todos a saltar à corda e os três meninos da cidade, que deviam ser drogados, entraram na dança. Já agora, porque não? Afinal, já estávamos que nem podíamos, éramos todos colegas de faina… e elas encartadas valem que nem trunfos.
Estava tudo a correr tão bem, quando chegou a girafa estatelante. Vinha a relinchar de fúria e trazia consigo o urso, que era de outro filme, por acaso um filme indiano, mas também podia ser chinês.
A girafa encostou-se ao balcão e pediu um Frize. Antes da bebida chegar, dizia: - Ai, ai, ‘tô que nem posso! – Bebeu e relinchou, inconsolável, que estava na mesma. O urso, que tinha uma natureza muito meiga, ainda a tentou acalmar, mas estava tudo perdido… nós, a Brigada, é que ainda não sabíamos.
A girafa saiu a galope do atuneiro do capitão Gancho e nadou até terra firme. Foi à Maçolândia acordar os Maços
A Brigada do Abominanço, tranquilizada pela meiguice do urso e com a borboleta azul a borboletar, continuava a não ligar e a saltar à corda. Agora eram dois dos meninos da cidade que segurava e rodavam a corda!
Ora bem, eu quero aqui dizer uma coisa: os Maços são simpáticos. Metem-se um pouco em névoas etílicas, é verdade, mas não são nenhuns lenhadores. São um pouco relinchantes, trabalham para o Ministério do Susto (tal como o Kiko, o Homem do sapo, o Monstro das bolachas, o Papão, a Manuela Ferreira Leite, etc), mas são criaturas do bem. Com eles, ‘tá-se bem.
A girafa foi maquiavélica. Ela sabe que os Maços estão a passar uma fase difícil, porque um dos colegas de trabalho, o papão, foi fisgado pela esgatanhadeira da P.J. e está lá, nos calabouços da Judiciária, entre o Michael Jackson e o Padre Frederico, a abominar as suas culpas.
Os Maços, para se esquecerem da desdita do colega, tendem a perder-se no fascinante universo etílico da noite. Transformam-se, por um insondável processo químico, que só as borboletas conhecem, em criaturas de sete olhos verticais, em menos de um piscar de olho vertical.
O abominável homem do México decide pôr fim À saltadura de corda e, sem música, mas cheios de ritmo, os membros da Brigada do Abominanço partem em busca de outros portos de abrigo.
Alguns, fiéis à faina, foram para ambientes náuticos, mas naufragaram de encontro a uma proibitiva porta fechada. Essa facção da Brigada desistiu, foi dormir e perdeu a segunda parte do filme.
Mas nós não ligámos. Continuámos, catassantes e intrépidos, pelo abominódromo fora, sempre a saltar à corda. No momento em que estávamos quase a sacrificar o nananananana… chiuaua! Para fazer bifanas, nesse momento chave da nossa história, aconteceu.
A girafa, ao volante de um camião TIR, chega, trava a fundo, descarrega os Maços no abominódromo e desaparece, num relinchamento vingativo.
Os Maços invadiram o abominódromo, quais Hunos desgovernados, o inconsequente etílico a falar mais alto, o urso escandalizado com tanta falta de meiguice e os lenhadores espantadíssimos, pois nunca tinham visto tanta rudeza. O louco, fugido do manicómio, de cabelo em pé e óculos de libelinha, a carregar uma grade inteirinha de Frize para a mesa da Brigada do Abominanço. Estávamos que nem podíamos, quase a chegarmos ao ponto de podermos que nem estarmos.
Mas não ligámos. Continuámos todos a saltar à corda, desta vez a pé coxinho.
Os Maços estavam todos a abominar, mas era um abominanço desorganizado, caótico. Algures, naquele caos, haveria uma ordem, mas era imperceptível para nós.
Pela janela/ecrã vemos então chegar novamente a girafa estatelante, desta vez a galope e puxando pelas rédeas um bólide de cor indefinida. Os Maços pressentem a entrada em cena de novas personagens, aquelas que trarão ordem e organização ao abominanço mácico.
São elas, as novas personagens, uma homenagem aos Zi Zi Top, o Thor e oseu maço. Duas magníficas personagens que merecem estatuto de membros honorários da Brigada do Abominanço, tal é a mestria com que o praticam. Faziam-se acompanhar de um intrigante objecto, que eu venho a saber mais tarde ser uma pistola de água para lavagem de carros.
O dito objecto sofre uma primeira metamorfose e transforma-se em guitarra eléctrica, entusiasticamente tocada pelo Maço Thor. O Maço serial killer decide apoderar-se do objecto e metamorfoseia-o em arma de precisão mortífera. Dá corda à tola, aponta o alvo, chocalha a tola, erra o alvo e mata uns quantos… ups… por engano.
Ai, ai, que desgraça, tanto sangue! Logo o providencial objecto se transforma em mangueira de bombeiros e lava o sangue que empastava o chão.
Nós, ainda a saltar à corda, mas já a falhar os pulos, de tanta distracção abominante, vimos surgir uma antena de espionagem política, pela qual se ouviam os planos do próximo bombardeamento do filme árabe. O Maço cantor, com um ataque de nostalgia, decide brindar-nos com um No woman no cry etílicamente melado.
Pelo ecrã/janela a magnífica dupla Thor e o seu maço dançavam ao som da música que gritava de dentro do carro. Era um musical moderno.
Lá dentro, nós, que nem bilhete pagámos (Eh pá, 8 Euros para quê, se isto é de borla?), tivemos direito a um minuto de Matrix, dois minutos de Existenz e ainda uma cena d’Os anjos de Charlie.O filme acabou quando a girafa, desmancha-prazeres, travou a fundo o seu camião TIR, convocou os Maços e bazou, estatelante e furiosa. Com esta não se brinca

Afinal, o tempo vem demonstrar que ela é um demónio!

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