quarta-feira, dezembro 13, 2006

Uma história de noves fora nada




De monolema a enealema
A todas a pessoas que se angustiam a conjugar os verbos “Escolher” e “Decidir”.

- Querida, por tua causa estou com um trilema! – disseste-me tu ao telefone. Moravas na indecisão, perante três possibilidades e sem saber para onde te virar, se para a visita, se para o adiamento, se para a desistência. Felizmente para mim, venceu a visita. Agradeço-te com este texto, inspirado no teu trilema.
A ideia nasceu com a tua brincadeira, tão ao gosto de quem, como eu, adora brincar com as palavras. Comecei a pensar que, se havia dilemas e trilemas, porque não abrir, de uma vez, o leque de monolema a enealema? E assim fiz: abri o leque.

Monolema - (Do gr. Monos + lemma, «uma proposição» )
O Sr. Matos, de férias nas Caraíbas, foi pescar num barco para o mar alto. Veio um tufão e afundou-lhe o barco. Havia apenas um bote salva-vidas, a única opção que o Sr. Matos tinha para não morrer afogado. Viu-se, na sua aflição de quase-náufrago, confrontado com este monolema e seguiu-o, salvando-se.

Dilema - (Do gr. Dís + lemma, «duas proposições» )
As bifurcações da vida estão cheias de dilemas, sobejamente conhecidas de todos nós, pelo que passarei à frente, ao -lema seguinte.

Trilema – (Do gr. Treīs + lemma, «três proposições» )
Os trilemas, que me serviram de inspiração, são, na minha vida, de cariz musical e linguístico. Sou apaixonada por Sérgio Godinho, Chico Buarque e Jaques Brel. Se tivesse que escolher apenas um, seria uma desgraça, um trilema!
O mesmo se passa em relação às três línguas estrangeiras que conheço. Como escolher entre o Inglês, o meu passaporte para o mundo e veículo de recepção cultural da minha geração, o francês, língua materna dos meus sobrinhos e o alemão, a minha primeira língua estrangeira, que comecei a falar aos três anos? Hmm... trilémico, sem dúvida. Mas solucionável, pois estes trilemas podem ser combatidos por meio de uma estratégia de compromisso chamada amálgama. Sorte a minha que estes três elementos não se excluem entre si.

Tetralema – (Do gr. Tetrás + lemma, «quatro proposições» )
Passemos aos tetralemas. Esses apresentam uma combinação problemática de quatro lados e quatro arestas. Um problemão de âmbito metafísico-existencialista!
É triste uma pessoa não ter norte na vida... mas não será muito mais trágico não nos conseguirmos decidir entre Norte, Sul, Este e Oeste? Passar uma vida aos encontrões, sem ver as setas que a intuição nos dita e avançar e recuar ao sabor da tetralémica indecisão? Haverá maior desdita do que carregar em si as quatro condições de desnorteado, des-sulado, desestado e des-oestado? Que mau deve ser viver esta dor existencialista, ser-se uma criatura errante, assombrada por tal tetralema. Eu, felizmente, encontrei o meu norte a tempo de não me tresmalhar pelos caminhos da vida.




Pentalema – (Do gr. Pénte + lemme, «cinco proposições» )
E que dizer do Pentalema? Esse, então, é uma questão mundial, que muito preocupa quem se interessa por estas questões absolutamente desprovidas de pertinência e relevância.
Será que eu prefiro a negra África, com seus tambores tribais, a erudita Europa, semeada de castelos e palácios, a serena Ásia, de nascentes Sóis, a miscigenada América, palco do extremo bom e do extremo mau? Ou a austral Oceânia, de saltitantes cangurus e intrépidos surfistas?
Na verdade, gosto de todas, pois em todas encontro mais encantos do que desencantos. Mas neste pentalema reside o verdadeiro drama das oportunidades bloqueadas, fenómeno decorrente da escolha de um continente em detrimento dos outros quatros. Optando por viver num dos cinco continentes, tenho de preterir quatro, já que a fábrica que me concebeu não me equipou com o dispositivo da Ubiquidade.
Este pentalema é um peso, mas alivia-me pensar que as alegrias da minha escolha poderão compensar as quatro janelas de oportunidades que fecho.

Hexalema – (Do gr. Héx + lemme, «seis proposições» )
O hexalema é um caso bicudo, mas, pelo menos, alegra-nos com o seu colorido. Escolher entre vermelho, verde, amarelo, azul, cor de laranja, cor de rosa... os deuses me livrem de tamanha responsabilidade! Logo eu, que sou tudo menos mono-cromática!
Como posso eu prescindir do fogo no olhar dele, que me incendeia os sentidos, quando me oferece uma apaixonada rosa vermelha?
E onde iria buscar o ânimo de viver sem o verde da Esperança, isto para não falar do ultraje que seria privar Camões de colorir os seus campos, da cor do limão...
Os canários e os girassóis seriam de que cor se não existisse o amarelo? E de cor pintariam as crianças os sóis dos quadros de tantos pintores a haver?
Eu pertenço à geração que cresceu a assobiar o tema do Verão azul. O céu, o mar, os olhos da minha mãe, da minha borboleta azul, do meu pinguim... não, não posso prescindir do azul.
Eu sou natural de uma aldeia, reputada pela excelente qualidade das suas laranjas e tenho uma alma cheia de vitamina C. Além disso, sou de Portugal, que em árabe significa laranja, já que os árabes conheceram no nosso país ( e baptizaram em conformidade) essa sumarenta bola laranja que os nossos navegadores trouxeram do Oriente. Sem o laranja, de que cor pintar os meus mais sumos sentimentos?
E o rosa? O optimismo de quem vê tudo cor de rosa, os sonhos, o romance, a Edit Piaff e o seu La vie en rose? Ai, este hexalema deixou-me em branco e isso provoca-me pensamentos muito negros. Passemos ao heptalema, a ver se me volta a cor...

Heptalema – (Do gr. Heptá + lemme, «sete proposições» )
Pacífico é bom, é sereno e tranquiliza-nos. Mas o Atlântico é tão cheio de furor e semeado de Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde, São Tomé... O Atlântico tem o charme do príncipe. O enigmático Índico, com suas rotas de seda e canela e com uma bela Madagáscar plantada também é tentador. E que dizer do gelado Árctico, com a brancura meiga e sem mácula dos ursos polares, ou do Antárctico gémeo antípoda, onde vivem os primos do meu pinguim? Como prescindir do Mar Mediterrânico, tépido berço dos meus antepassados? Ou então do Mar do Norte, que tão melancolicamente Brel imortaliza no seu Plat Pays...
Um oceânico heptalema com solução à vista: equitativa distribuição de férias pelas praias do globo mundo. Assim, poderei lavar a alma, refrescar os pensamentos e mergulhar as recordações nos cinco oceanos e dois mares da minha predilecção. Sete mares, Sétima Legião – um heptalema promissor.

Octolema – (Do gr. Októ + lemme, «oito proposições» )
O octolema é um antro de pecados e pôs-me a cabeça em água, por causa do mar onde vive o tentacular polvo. Qual dos sete pecados capitais (mais o oitavo, da modernidade) devo aniquilar primeiro? Pensando bem, a ideia de usar um polvo para representar o mal do mundo é interessante...
No primeiro tentáculo, a Gula, pela boca morre o peixe; no segundo, a Preguiça, que prazer não cumprir um dever; no terceiro, a Ira, a pôr bombas na Irlanda há tantos anos; no quarto, a Soberba, a não dar a mão a quem mais precisa; no quinto, a Avareza, a roubar a grandeza do homem por causa do amor ao vil metal; no sexto, a Luxúria, a matar o amor em orgias de desamor; no sétimo, a Inveja, a roubar indecentemente a legítima cor à Esperança e, finalmente, no oitavo tentáculo, a Pressa, esse pecado da idade moderna, tão cheia de subterfúgios falaciosos que, ao invés de nos pouparem tempo, nos atiram para a loucura urbana de passar a vida em correrias, ignorando o pôr-do-sol. A Pressa é maligna e letal, porque nos rouba a vida enquanto fazemos absurdos planos e esforços para poupar tempo.
Em suma, um pôlvico e pecaminoso ramalhete. E qual dos pecados aniquilar primeiro? É, sem dúvida octolêmico... mas há que ter calma e bom senso. Sobretudo não incorrer no erro de tomar uma resolução ditada pela pressa.

Enealema – (Do gr. Ennéa + lemme, «nove proposições» )
Chegamos, finalmente ao enealema, mas esse é fácil. O leitor que se decida se prefere debater-se com
os simplistas monolemas,
os usuais dilemas,
os amalgamáveis trilemas,
os cardinais tetralemas,
os continentais pentalemas,
os coloridos hexalemas,
os oceânicos heptalemas,
os pecaminosos octolemas
ou o NADA, a súmula de tudo isto.

Já que, como nos dita a matemática lógica, na sua prova dos nove, NOVES FORA NADA...
(ou, como tão acertadamente um amigo sugeriu, talvez a minha condição de Pinguím da Neve permita usar a expressão personalizada "NEVES FORA NADA"... )
Seja como for, aconselho que a escolha seja ponderada, para que o pecado capital da modernidade, a Pressa, não se atrevesse no nosso caminho e nos transforme em seres vazios, que é como quem diz... em nada.



MN
Castelo de Paiva, 3 de Março de 2006


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